A insustentável leveza (e os pesos) de um clássico

 

Cena do filme A insustentável leveza do ser

Ontem, finalmente, fechei a última página de A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera. "Finalmente" porque essa história entre nós começou em 2016, quando uma professora de Fotografia, da época em que me arrisquei a fazer jornalismo, recomendou o filme. E eu gostei — por incrível que pareça — tanto que assisti mais de uma vez.

Três anos depois, já migrando para Letras porque havia trancado o primeiro curso, encontrei o romance na biblioteca da faculdade. Comecei a ler, no entanto, o prazo de empréstimo venceu palmas para ele, e o livro voltou para a estante sem que eu o terminasse. 

Em 2025, já no final do mestrado, uma dor de cabeça insistente me levou a Goiânia para realizar um exame. Enquanto esperava o ônibus de volta para minha cidade, dei de cara com o livro novamente, dessa vez, em uma pilha de doações de uma Biblioteca Pública. Peguei-o e pensei: "agora vai".

E fui. E entendi por que havia desistido antes.

A leitura começa rápida, quase cinematográfica: trinta páginas equivalem a uma hora de filme. Mas logo a narrativa se revela um labirinto de idas e vindas, tempos que de dobram, vozes que se cruzam. O autor não tem pressa para contar, ele desmonta, remonta, filosofa. E é aí que o livro exige mais do que um leitor casual, exige paciência, entrega.

Eu vinha com a intenção de escrever sobre o que me incomodou. Porém, ao fechar o livro — depois de alguma lágrimas rolarem, tenho que confessar —, senti que reduzi-lo a "defeitos", seria injusto. São detalhes — não tão pequenos, admito — que saltam aos olhos de um leitor mais crítico, especialmente hoje. As mulheres, por exemplo, por serem criadas por um homem, carregam gestos e resignações que, em 2025, soam... estranhos. Datados. Às vezes, frustrantes.

Contudo, A insustentável leveza do ser é um clássico. E clássicos são assim: espelhos de seu tempo, com todas as rachaduras que o tempo revela. Precisamos falar sobre eles? Sim, mas com toda certeza, também podemos questioná-los, lê-los com um pé atrás, amar suas ideias e estranhar suas limitações.

Não cabe a mim, mera leitora, cancela-lo. Logo, se um dia você encontrar esse romance em uma tarde qualquer, leve-o sabendo: não é um livro fácil, nem justo, nem perfeito. É um livro que pesa e, talvez por isso, valha a pena.

 


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