Sim, Paulo Cruz, é sobre você
Apesar de discordar de várias opiniões de Paulo Cruz, tento não ignorar
vozes divergentes, mesmo aquelas que me causam incômodo ou raiva. É por isso
que, de vez em quando, acabo lendo o que a Gazeta do Povo tem a dizer.
Mas confesso que, depois de toda a campanha que o jornal fez incentivando uma
espécie de “caça às bruxas” contra a pesquisa acadêmica brasileira, minha
frequência como leitora despencou. Hoje, só vejo algo do jornal se aparece por
acaso, geralmente nas sugestões do navegador do celular.
Foi assim que, semana passada, me deparei com um título que chamou minha
atenção: “Não é sobre o Elon Musk, é sobre você”. Minha
primeira reação foi pensar que era mais uma daquelas matérias repletas de
absurdos, sugerindo que “hoje é o Elon Musk, amanhã será você”, mas não. O
texto tinha um tom diferente, quase nostálgico, dizendo algo como: “Enquanto o
mercado está caro, todo mundo está preocupado com Elon Musk”. Se trocarmos o
nome do Elon por BBB, o texto parecerá ter saído direto dos anos 2010.
O que me intrigou mesmo foi como o autor argumentava que a “ideologia” era
um problema porque impedia as pessoas de pensarem por conta própria. Como
estudiosos da linguagem, sabemos que essa ideia de “pensar sozinho” é um mito.
Todo pensamento nasce de discursos que circulam na Ágora — a velha praça
pública das ideias. Alô, Michel Foucault!
A questão não é a ideologia em si, mas os discursos que nos atravessam e,
muitas vezes, nos cegam. Discursos esses que são alimentados por figuras como o
próprio Elon Musk, que recentemente não teve o menor constrangimento em fazer
um gesto nazista em um evento televisionado para o mundo todo. E é isso que
precisamos discutir. Se um bilionário se sente à vontade para fazer algo assim,
sem receio de repercussão, isso não é só sobre ele. Isso é sobre nós, sobre a
sociedade que permitiu que chegássemos a esse ponto.
No final das contas, não se trata apenas do preço do mercado, de Elon Musk
ou do BBB. Trata-se de como discursos são articulados para moldar nossas
percepções, nossas prioridades e nossas ações. A cegueira não vem da ideologia
em si, mas da falta de reflexão sobre os discursos que consumimos e
reproduzimos todos os dias.
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